05/05/2015 noticias.uol.com.br
Os crimes sem castigo da Segunda Guerra Mundial
Guillermo Altares

No final da Segunda Guerra Mundial, o mundo despertou do horror com uma destruição que nunca havia conhecido, 60 milhões de mortos e uma nova forma de crime, o extermínio em escala industrial de todo um povo, para o que foi preciso criar uma palavra, "genocídio".

O primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, propôs fuzilar sem julgamento os chefes nazistas conforme fossem capturados. Afinal, o direito se impôs e foram abertos os processos de Nuremberg, durante os quais foram julgados e condenados os 24 principais dirigentes do regime de Hitler, que, à diferença de seu líder, tinham sido capturados com vida.

Mas depois de vários julgamentos em Nuremberg (Alemanha) contra criminosos menos relevantes e processos em países que haviam sofrido especialmente a crueldade hitlerista, como a Polônia, os casos foram esfriando e muitos nazistas conseguiram fugir para a Espanha ou a América Latina por meio das famosas rotas de ratos. Aqueles que tiveram um papel menos destacado simplesmente voltaram a suas vidas cotidianas na Alemanha e conseguiram ficar fora do radar durante décadas.

É verdade que Adolf Eichmann, um dos arquitetos do Holocausto, foi capturado em 1960 na Argentina pelo Mossad e julgado em Israel; mas Joseph Mengele, o sádico médico de Auschwitz, se afogou no Brasil em 1979 e Ante Pavelic, o dirigente do Estado croata genocida responsável por milhões de mortes de sérvios e judeus, morreu tranquilamente na Espanha em 1959.

Apesar do último esforço que a Alemanha acaba de lançar contra guardas nonagenários ou da Operação Última Oportunidade do Centro Simon Wiesenthal, quando se comemoram os 70 anos do suicídio de Hitler, em 30 de abril, e do final da Segunda Guerra Mundial em 8 de maio, tanto os historiadores quanto os caçadores de nazistas concordam: muitas vítimas não receberam justiça.

Os motivos são numerosos: a eclosão da Guerra Fria, a impossibilidade de processar todos os que haviam cometido atrocidades porque seu número é enorme, a necessidade de esquecer da sociedade alemã...

A impressão geral é de que os últimos movimentos contra os criminosos chegam tarde demais, porque quase não há mais perpetradores vivos, e as vítimas pouco a pouco vão se apagando. O semanário alemão "Der Spiegel" publicou em 2014 uma longa reportagem intitulada "Por que os últimos SS partiram impunes?".

Sua conclusão foi que "o castigo dos crimes cometidos em Auschwitz fracassou não porque um punhado de juízes e políticos tentasse conter esses esforços, mas sim porque muito pouca gente estava interessada em processar e condenar os perpetradores. Muitos alemães eram indiferentes aos crimes cometidos em Auschwitz em 1945 e assim continuou".

Como escreve no final de sua biografia de Hitler o historiador Ian Kershaw, "muitos dos que tiveram maior responsabilidade conseguiram escapar sem castigo. Numerosos indivíduos que haviam desempenhado cargos de grande poder nos quais determinavam a vida ou a morte, e ao mesmo tempo encheram os bolsos por meio de uma corrupção sem limites, conseguiram evitar totalmente ou em parte um castigo severo por seus atos e, em alguns casos, prosperaram e triunfaram no pós-guerra".

"Nuremberg foi pensado só para os líderes nazistas", afirma Efraim Zuroff, um dos últimos caçadores de nazistas do Centro Simon Wiesenthal.

"Seu objetivo nunca foi levar à justiça todos os criminosos de guerra nazistas, o que seria uma missão impossível porque o número era enorme", prossegue Zuroff, reconhecendo que "a Guerra Fria teve um efeito muito negativo" para a busca de criminosos. Alguns, como Klaus Barbie, foram recrutados pelo serviço secreto americano para utilizar a informação que possuíam.

A magnitude dos crimes é difícil de imaginar: os campos de extermínio, os campos de concentração, os Einsatzgruppen que fuzilaram centenas de milhares de pessoas no leste, o assassinato de reféns, as torturas, as leis raciais, as atrocidades de todo tipo em dezenas de países. Trata-se de crimes que, conforme passam os anos, são cada vez mais difíceis de provar em um tribunal, pois foram desaparecendo as testemunhas ou apagando-se sua memória.

De fato, um dos casos mais famosos, o de John Demjanjuk, baseou toda a sua estratégia de defesa em que não foi ele, em que as testemunhas que diziam reconhecê-lo se confundiam. Um cidadão ucraniano que fugiu para os EUA depois da guerra, sempre afirmou que era um refugiado inocente. Foi condenado à morte em Israel nos anos 1980, acusado de ser "Ivan o Terrível", um sádico guarda do campo de extermínio de Treblinka responsável por milhares de mortes.

Entretanto, cinco anos depois o tribunal supremo suspendeu sua condenação: não era Ivan o Terrível, embora fosse suspeito de genocídio. Finalmente foi condenado em Munique a cinco anos de prisão por ter sido guarda do campo nazista de Sobibor. Morreu em 2012.

Sua sentença foi especialmente importante, não só porque fechou um caso icônico da busca de antigos nazistas, como, sobretudo, porque abriu um precedente muito importante que permitiu o processo de 12 ex-guardas de Auschwitz na Alemanha, com idades de 88 as 100 anos: os juízes decretaram que só o fato de ter trabalhado em um campo de extermínio é um crime em si, mesmo que não fique demonstrado que participaram diretamente de assassinatos ou torturas.

Em 21 de abril começou o julgamento de Oskar Göring, 93, que fazia a contabilidade de Auschwitz: era o responsável por administrar o dinheiro roubado dos deportados antes de serem enviados às câmaras de gás ou assassinados com trabalho escravo.

Os historiadores calculam que passaram por Auschwitz cerca de 6.500 guardas. Na Alemanha foram julgados 43 SS, nove receberam penas de prisão perpétua, 25 foram enviados à prisão e os demais, absolvidos. Segundo um cálculo do historiador Andreas Sander, os tribunais alemães emitiram 6.656 condenações desde 1945 relacionadas à guerra, por crimes que vão de perjúrio a assassinato, mas 90% das penas foram inferiores a cinco anos de prisão.

Um avaliação do Centro Wiesenthal garante que desde Nuremberg cerca de 106 mil soldados alemães ou nazistas foram acusados de crimes de guerra, 13 mil foram considerados culpados e mais ou menos a metade foi condenada. Não existe um cálculo das pessoas que podem ter participado de crimes de guerra, embora o grande historiador da Segunda Guerra Mundial Max Hastings as estime em "várias centenas de milhares".

O escritor alemão Christoph Heubner, vice-presidente do Comitê Internacional de Auschwitz, qualificou em declarações à imprensa a falta de processo dos SS depois da guerra como "um dos escândalos do pós-guerra". "Os perpetradores essencialmente voltaram à sociedade de que vinham, desapareceram em seus bairros de sempre. Durante muitos anos, ninguém se importou com o que haviam feito. Para os sobreviventes é um fato amargo o pouco interesse que havia e o pouco que se fez para processar os perpetradores."

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