O
barbarismo do Holocausto foi tão gigantesco que seus efeitos
se fazem sentir ainda hoje, nos primeiros anos do século
21 e mais de seis décadas após os nazistas terem dizimado
6 milhões de judeus em campos de extermínio. Um tribunal
da cidade de Bonn, oeste da Alemanha, anunciou, na última
quarta-feira, o início de um processo contra Samuel Kunz,
88 anos, o terceiro nazista mais procurado do mundo, segundo
o Centro Simon Wiesenthal (CSW).
Kunz (cuja foto não foi divulgada) é acusado de participar do assassinato de
430 mil judeus no campo de concentração de Belzec, na Polônia
ocupada. Que tipo de participação? Na retirada das vítimas
dos trens rumo à morte, no envio para as câmaras de gás e
no sepultamento em valas comuns. Tudo está documentado pelo
tribunal, que agora o tirou do anonimato de que gozou por
anos em Wachtberg, na periferia de Bonn, onde os vizinhos
não imaginavam a real identidade do velhinho discreto.
– É uma vitória. Comparando com o
futebol, estamos já nos acréscimos e conseguimos um gol importante
– brinca o maior caçador de nazistas do mundo, o historiador
americano Efraim Zuroff, que completa 62 anos na próxima
quinta-feira e concedeu entrevista a Zero Hora na sexta-feira
(leia trechos abaixo), com a intermediação do argentino Sergio
Widder, representante do CSW na América Latina.
Devido ao shabat (dia de descanso
e reflexão para os judeus, que se inicia ao pôr do sol de
sexta e termina ao pôr do sol de sábado), a entrevista teria
de ser feita, no máximo, até o final da tarde.
Zuroff, um homem com uma memória tão
extensa quanto a disposição para capturar criminosos nazistas,
dirige o CSW em Jerusalém. Conta que resta pouco tempo para
colocá-los no banco dos réus e, tanto quanto vibra com a
prisão de Kunz, lamenta a morte recente de Adolf Storms,
aos 90 anos, a quem ele vinha no encalço.
– É curioso, mas sou o judeu que mais
lamenta a morte de um nazista. Quero que eles tenham saúde
para sentar-se no banco dos réus – diz.
Então, realmente, Zuroff tem motivos
para euforia. Kunz, o ex-guarda alemão que está se sentando
no banco dos réus alemão, teria participado de todas as tétricas
atividade em Belzec, na Polônia, entre janeiro de 1942 e
julho de 1943. O único porém é o fato de que Kunz tinha 20
anos quando começou a trabalhar como guarda no campo – pela
legislação alemã, réus entre 18 e 21 anos podem ser julgados
como menores ou como adultos. Caberá ao tribunal enquadrá-lo
em um ou outro caso. Zuroff torce para que ele seja tratado
como adulto.
Centro Simon Wiesenthal relata crueldade
de Kunz
Kunz ameaçava as vítimas com pistolas,
as chicoteava e batia nelas com bastões de madeira. Elas
eram despidas, tinham os cabelos cortados. Eram, finalmente,
empurradas para as câmaras de gás. Depois, seus corpos tinham
como destino as valas comuns. Entre as roupas, eram rastreados
quaisquer objetos de valor. Em 10 casos, ele é acusado de
ter puxado pessoalmente o gatilho e matado.
– Ele tinha uma posição baixa na hierarquia,
mas está em terceiro lugar na lista porque se envolveu em
muitas mortes de judeus – explica Zuroff.
O “caçador” pensa em seu currículo
e destaca uma presa abatida que o orgulha especialmente:
em 1998, ele localizou o croata Dinko Sakic, chefe do campo
de Jasenovac – o “Auschwitz dos Bálcãs” –, onde a milícia
fascista local dispensou a ajuda de tropas nazistas para
conduzir o extermínio de judeus, sérvios, ciganos, homossexuais
e comunistas. Matou 500 mil civis. Sakic tinha 77 anos e
estava em Santa Teresita, Argentina. Sakic foi condenado
a 20 anos de cadeia, pena máxima na Croácia. Morreu em 2008.
No caso de Kunz, foram as autoridades
alemãs que o localizaram, após examinar antigos documentos
sobre o pós-guerra referentes ao campo de treinamento das
SS (organização paramilitar nazista) em Trawniki. Naqueles
papéis, obtiveram as informações que as levaram ao antigo
guarda do horror.
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