August 1, 2010
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A caça aos últimos homens de Hitler
Abertura de processo contra o ex-guarda de campo de concentração Samuel Kunz reavivou memórias dos crimes nazistas
LÉO GERCHMANN

O barbarismo do Holocausto foi tão gigantesco que seus efeitos se fazem sentir ainda hoje, nos primeiros anos do século 21 e mais de seis décadas após os nazistas terem dizimado 6 milhões de judeus em campos de extermínio. Um tribunal da cidade de Bonn, oeste da Alemanha, anunciou, na última quarta-feira, o início de um processo contra Samuel Kunz, 88 anos, o terceiro nazista mais procurado do mundo, segundo o Centro Simon Wiesenthal (CSW).

Kunz (cuja foto não foi divulgada) é acusado de participar do assassinato de 430 mil judeus no campo de concentração de Belzec, na Polônia ocupada. Que tipo de participação? Na retirada das vítimas dos trens rumo à morte, no envio para as câmaras de gás e no sepultamento em valas comuns. Tudo está documentado pelo tribunal, que agora o tirou do anonimato de que gozou por anos em Wachtberg, na periferia de Bonn, onde os vizinhos não imaginavam a real identidade do velhinho discreto.

– É uma vitória. Comparando com o futebol, estamos já nos acréscimos e conseguimos um gol importante – brinca o maior caçador de nazistas do mundo, o historiador americano Efraim Zuroff, que completa 62 anos na próxima quinta-feira e concedeu entrevista a Zero Hora na sexta-feira (leia trechos abaixo), com a intermediação do argentino Sergio Widder, representante do CSW na América Latina.

Devido ao shabat (dia de descanso e reflexão para os judeus, que se inicia ao pôr do sol de sexta e termina ao pôr do sol de sábado), a entrevista teria de ser feita, no máximo, até o final da tarde.

Zuroff, um homem com uma memória tão extensa quanto a disposição para capturar criminosos nazistas, dirige o CSW em Jerusalém. Conta que resta pouco tempo para colocá-los no banco dos réus e, tanto quanto vibra com a prisão de Kunz, lamenta a morte recente de Adolf Storms, aos 90 anos, a quem ele vinha no encalço.

– É curioso, mas sou o judeu que mais lamenta a morte de um nazista. Quero que eles tenham saúde para sentar-se no banco dos réus – diz.

Então, realmente, Zuroff tem motivos para euforia. Kunz, o ex-guarda alemão que está se sentando no banco dos réus alemão, teria participado de todas as tétricas atividade em Belzec, na Polônia, entre janeiro de 1942 e julho de 1943. O único porém é o fato de que Kunz tinha 20 anos quando começou a trabalhar como guarda no campo – pela legislação alemã, réus entre 18 e 21 anos podem ser julgados como menores ou como adultos. Caberá ao tribunal enquadrá-lo em um ou outro caso. Zuroff torce para que ele seja tratado como adulto.

Centro Simon Wiesenthal relata crueldade de Kunz

Kunz ameaçava as vítimas com pistolas, as chicoteava e batia nelas com bastões de madeira. Elas eram despidas, tinham os cabelos cortados. Eram, finalmente, empurradas para as câmaras de gás. Depois, seus corpos tinham como destino as valas comuns. Entre as roupas, eram rastreados quaisquer objetos de valor. Em 10 casos, ele é acusado de ter puxado pessoalmente o gatilho e matado.

– Ele tinha uma posição baixa na hierarquia, mas está em terceiro lugar na lista porque se envolveu em muitas mortes de judeus – explica Zuroff.

O “caçador” pensa em seu currículo e destaca uma presa abatida que o orgulha especialmente: em 1998, ele localizou o croata Dinko Sakic, chefe do campo de Jasenovac – o “Auschwitz dos Bálcãs” –, onde a milícia fascista local dispensou a ajuda de tropas nazistas para conduzir o extermínio de judeus, sérvios, ciganos, homossexuais e comunistas. Matou 500 mil civis. Sakic tinha 77 anos e estava em Santa Teresita, Argentina. Sakic foi condenado a 20 anos de cadeia, pena máxima na Croácia. Morreu em 2008.

No caso de Kunz, foram as autoridades alemãs que o localizaram, após examinar antigos documentos sobre o pós-guerra referentes ao campo de treinamento das SS (organização paramilitar nazista) em Trawniki. Naqueles papéis, obtiveram as informações que as levaram ao antigo guarda do horror.

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